Birra: a hora de dizer não para a criança
Não é fácil lidar com os escândalos das
crianças, mas os especialistas garantem: pais que sabem dizer não e
sustentam essa posição têm mais chances de ajudar os filhos
Tudo começa com um chorinho quando o bebê não
consegue satisfazer seus desejos – subir na mesa, pegar o controle
remoto, não devolver o brinquedo do irmãzinho. Mas o primeiro
mandamento para lidar com a birra infantil é não se desesperar.
Gritar e perder o controle só reforça esse
tipo de comportamento da criança, que entende a sua reação como
parecida com a dela. Quando o pequeno percebe que conseguiu tirá-la
do controle e chamou a sua atenção, desconfia que você acabará
cedendo, especialmente se estiverem em público. E, aí, salve-se
quem puder.
Segundo a psicanalista infantil e familiar
Anne Lise Scappaticci, de São Paulo, desde muito cedo as crianças
aprendem a arte da manipulação. “Da mesma maneira que sabem que
agradam quando são boazinhas, percebem que podem usar a birra para
conseguir o que desejam”, diz.
A teima faz parte do comportamento infantil,
como uma tentativa de a criança demonstrar certa independência e
expressar suas vontades. E aparece por volta de 1 ano e meio de
idade.
Quando a criança tenta conseguir o que quer
através de showzinhos, a dica é dar um pouco de atenção, sem
estender a bronca por horas. Você pode dizer que esse “não” é
o jeito de conseguir o que ela quer e por causa disso não vai ter
mesmo. E não fique assistindo ao espetáculo, a menos que a criança
esteja se debatendo e corra o risco de se machucar.
“Nesses casos, aconselho a abraçá-la e
ir conversando até ela se acalmar”, afirma Anne Lise. Se o
incidente ocorreu numa festa de aniversário, por exemplo, assim que
cessar, volte para casa. Depois de um escândalo como esse, a criança
não pode ser recompensada com diversão.
Segundo Vera
Iaconelli,
psicanalista e coordenadora do Gerar – Instituto de Psicologia
Perinantal, se o ataque for muito intenso e você estiver no shopping
ou no parque, vale levá-la até o carro para se acalmar e, se for o
caso, nem retornar. O problema é acabar com o programa dos irmãos
ou da família toda. O ideal é tirá-la do local e mostrar que a
birra não levará a nada, que você não mudará de ideia.
“Quando os pais aprendem a lidar com o
filho, as birras diminuem. Depois de uma ou duas vezes, ele aprende
que a teimosia não adianta e para de insistir. Se isso não
acontece, é porque a criança descobriu que fazer cena funciona e
ela sempre ganha a parada”, diz Vera.
A maneira de lidar com esses conflitos é
decisiva. “Os pais precisam ser firmes, mesmo que o filho chore e
fique com raiva deles. Se cedem a cada vez que ele fica desapontado,
acabam criando uma pessoa que não suporta a frustração, tem
dificuldades de relacionamento e fica malvista pelos amigos, que
muitas vezes se afastam”, alerta Anne Lise.
O bebê está brincando, você precisa dar
banho nele para sair, mas a criança não quer. Ele se rebela e
chora. Nessas horas, o truque é mudar seu foco, chamando a atenção
para objetos e pessoas de que ele gosta. Imagine se os pais ou os
cuidadores sempre cederem a essa pequena rebeldia? Como conseguirão
encontrar um momento para levá-lo à banheira? E quando ele ficar
maior, serão os pais capazes de impor obediência?
A psicanalista Vera Iaconelli explica que a
capacidade de aceitar regras vai se desenvolvendo ao longo do tempo e
os pais não precisam fazer disso uma batalha, entrando em constante
confronto com a criança.
“Alguns pais têm tanto pavor da birra que
negam tudo, vetando qualquer chance de o filho se revoltar e
descobrir por si só o que quer. O equilíbrio está em selecionar o
não para coisas realmente importantes, como morder e bater nos
outros ou nos objetos, colocar o dedo na tomada, atravessar a rua sem
dar a
mão.
Se seu filho sempre se comporta como um
birrento, atenção! “Apesar de ser frequente no universo infantil,
o padrão indica um problema mais sério. É hora de procurar ajuda
de um especialista. Do contrário, a birra fará a criança se fechar
em uma ideia fixa, sem enxergar outras possibilidades”, alerta Anne
Lise.
É difícil enfrentar um comportamento
quando ele aparece pela primeira vez. E é muito comum a criança que
nunca fez uma determinada birra um dia se atirar no chão e fazer
manha, deixando os pais atônitos.
Uma das explicações para isso é a
imitação. Ela pode ter visto o amiguinho fazer o mesmo, percebido
que funcionou e tentar a sorte também. “O papel dos pais nessa
hora é dizer não e tirar a criança do local. Ponto final. Não
caia na tentação de passar meia hora falando, dando corda para uma
atitude repreensível ou criticando a ação como se fosse a pior
coisa do mundo”, diz Vera.
“Até os 5 ou 6 anos, a criança não
consegue manter a concentração nas palavras por mais de 20 ou 30
segundos”, diz a psicóloga infantil e terapeuta familiar Suzy
Camacho, autora do livro Guia Prático dos Pais (ed. Paulinas).
Por isso, é fundamental insistir nas
regras. “Antes de sair de casa, converse com ela e deixe claro o
que não será permitido. Dependendo da idade, ela pode esquecer, daí
a necessidade de repetir a história muitas vezes, até que ela
aprenda."
Antes de chegar ao supermercado, por
exemplo, deixe claro o que será possível comprar entre as
guloseimas de que ela gosta e quando poderá comer. Caso ela abra o
iogurte ou o pacote de bolacha ainda na loja ou no carro, seja firme.
Diga que não é hora nem lugar para comer aquilo e coloque o produto
em local fora de alcance. “A estratégia é evitar o acesso fácil
ao que é proibido e aguentar a birra, mesmo que se sinta
constrangido por estar em local público”, afirma Anne Lise.
Muitas vezes, os pais acabam dizendo sim,
sim, sim por pena de ver o filho sofrer. Quem nunca teve ímpetos de
aceitar levar um brinquedo caríssimo só de olhar para a carinha de
choro de seu filho, implorando no meio da loja, quando o combinado
era não comprar nada?.
Segundo Suzy, no entanto, para criar pessoas
equilibradas é preciso que os pais impeçam o filho de impor sempre
sua vontade. “Quem não quer ter um ditador precisa dizer não.
Crianças que nunca são contrariadas acabam se tornando adultos
infelizes, irritadiços, agressivos, depressivos, já que o mundo não
dá o mesmo sim incondicional dos pais”, afirma Suzy.
O limite, explica Vera, é uma forma de
evitar a teima e deixar a criança mais segura. “A criança sem
limite se sente culpada, sem chão, tem dificuldades para ficar longe
dos pais. Quando eles são firmes, elas se sentem acolhidas e
entendem que uma cena não os fará mudarem de ideia.”
“Se os pais forem coerentes com o que
dizem e fazem, terão um filho disciplinado aos 7 anos e deverá
seguir assim pelo menos até a adolescência, quando a rebeldia, uma
nova forma de birra, ressurge em intensidade variada, dependendo de
como a criança vem lidando com as frustrações”, conta Suzy.